Olá amigos!
Uma dúvida comum que recebo aqui no site é a respeito da sinceridade. Neste texto, vou comentar com vocês sobre um critério que conheci há pouco sobre quando e como é melhor falar e sobre quando e como é melhor calar.
Como todos sabem, aprendemos a falar por volta do nosso primeiro ano de vida. Mas aprender a falar, ou seja, ter sabedoria no dizer é algo raro. Quantas e quantas brigas e desentendimentos não poderiam ser evitados, se todos fôssemos mais sábios em nossa habilidade de entender o que é mais adequado expressar, não é mesmo?
Com um pequeno exame de consciência, com certeza conseguiremos nos lembrar de momentos em que deveríamos ter ficado quietos e, também, momentos em que deveríamos ter dito…
Então vamos lá!
Um critério que seja universal
Este texto, em si, é menos de psicologia e mais um texto de reflexão, no qual vou utilizar um famoso conceito da filosofia de Kant e o que podemos chamar de “sabedoria universal”, que, embora possamos localizar no Oriente, esteve presente na Grécia, nos tempos de Sócrates e Platão.
A filosofia sempre busca critérios que sejam universais, totais, gerais. O contingente, o relativo, o que varia com o tempo ou com o lugar é evitado. Assim, se vamos nos perguntar “Quando devemos falar e quando devemos nos calar”, para a filosofia, temos que encontrar uma formulação que tenha validade sempre, independente da pessoa, do lugar aonde ela está e do tempo histórico.
Para mim, o critério mais incrível jamais formulado é o chamado Imperativo Categórico de Kant. A grosso modo, podemos defini-lo como a necessidade de pensarmos cada comportamento como sendo – ou não – possível de ser feito, por qualquer pessoa em nosso lugar. Em princípio, possui relação com o pensamento de que não devemos fazer ao outro o que não queremos que o outro faça conosco. Mas o Imperativo Categórico vai mais além: “Age somente segundo uma máxima por meio da qual possas querer ao mesmo tempo que ela se torne lei universal.”
Ou seja, se no dizer “não faça com os outros o que você não quer que seja feito com você” o julgamento de valor é subjetivo (o que você quer receber), no pensamento kantiano o julgamento de valor deve ser universal.
Por exemplo, é correto roubar? Se imaginarmos você ou eu ou qualquer pessoa roubando, isto seria válido? Evidente que não.
Se imaginarmos, então, outro comportamento. É correto ajudar as outras pessoas? Qualquer pessoa, ajudando o outro, estaria fazendo um comportamento válido? Diremos que sim.
Bem, se passarmos então para as questões do dizer e do calar, teremos – com o Imperativo Categórico – um problema, pois para Kant nós sempre temos que dizer a verdade. Pois dizer a verdade é algo válido universalmente. A verdade não pode ser relativa (depender das circunstâncias). Assim, na Crítica da Razão Pura, um dos exemplos usados pelo filósofo é de que, em uma situação na qual nos somos impelidos a dizer a verdade, ainda que em detrimento de um amigo, nós devemos dizer a verdade. Quer dizer, se um policial nos interroga sobre o paradeiro de um amigo, e se dizendo a verdade nós estamos entregando o nosso amigo, isto não interessa, pois dizer a verdade é mais importante do que a consequência imediata para o nosso amigo, no caso, a prisão.
De forma que para Kant, seria necessário ser sempre sincero. Como aquelas pessoas que sempre perdem o amigo, mas não perdem a piada. Afinal, há provavelmente um pouco de verdade, por detrás de uma brincadeira.
Chegamos aqui na questão que gostaria de tratar neste texto, devemos ser sempre sinceros? Como vimos, para Kant, na busca da universalidade, sim, temos que ser sempre sinceros. Temos que dizer sempre a verdade. Em minha opinião, não é bem por ai. Especialmente nós, que trabalhamos com psicologia, sabemos que não é bem por aí.
Um critério da sabedoria
Existe um critério que, embora não seja universalmente válido como o Imperativo Categórico, me parece mais relevante para a questão da sinceridade. De fato, são 3 critérios.
1) É verdade o que você está para dizer?
2) É benéfico o que você está para dizer?
3) É aceito pelo outro o que você está para dizer?
Se a resposta for afirmativa para estas 3 perguntas, você diz. Se a resposta for não para uma, duas ou as três, você se cala.
Primeiro, temos que avaliar se o que vamos dizer é verdade. Digamos que estamos prestes a contar uma história sobre alguém. (O que poderíamos descrever como uma fofoca). Ora, o que vamos dizer sobre alguém é verdade? Sabemos de certeza que é uma verdade? Se não sabemos ao certo ou se sabemos que é uma mentira, não devemos dizer. Uma mentira, um falso testemunho, uma difamação é algo que será ruim para a reputação alheia. Mas, se pensarmos bem, também será negativo para quem está a dizer, já que a fama também recairá sobre ela, como uma pessoa mentirosa.
O segundo critério já vai além, portanto do Imperativo Categórico, o conteúdo do que estamos por dizer é benéfico? Quer dizer, vai ajudar? Vai trazer um benefício direto ou indireto ou vai ser prejudicial? Este segundo critério é também muito interessante. Importante dizer que não é apenas visar um fim egoísta (um benefício próprio), mas entender que um dizer que seja maléfico, malicioso, inadequado será inútil. Se não vai trazer nada de bom, nem para quem está falando, nem para quem está ouvindo ou, ainda, sobre algo ou alguém, para que falar?
Este critério é talvez o mais difícil, porque geralmente queremos dizer, independente se estamos ajudando ou não. Um exemplo banal seria quando somos perguntados se um vestido está bonito. Pode ser verdade que está feio, mas dizer que está feio geralmente não será benéfico, talvez só magoe os sentimentos alheios. Assim como dizer que uma pessoa está gorda…
Estes são exemplos relativamente banais, cujos malefícios seriam até brandos, porém podemos imaginar situações muito mais sérias, nas quais o provérbio “o silêncio vale ouro e a palavra vale prata” seria perfeito.
E, por fim, o terceiro critério é a respeito da aceitação por parte do ouvinte. Às vezes, sabemos que é verdade, sabemos que será benéfico, mas simplesmente não é o momento certo para dizer. O correto, neste caso, é esperar pela hora certa, quando a verdade benéfica será realmente benéfica e aceita. Para pais e educadores é simples de observar este terceiro critério. Frequentemente temos que esperar mais um pouco para orientar…
Bem, com estes três critérios, podemos treinar a nossa fala. Falar é um comportamento que aprendemos cedo. Mas é só com a vida, com as experiências, que vamos vendo como é complexo saber quando falar e quando ficar em silêncio. Saber calar é mais difícil do que aprender a falar…
Para a psicologia, toda esta questão é muito cara, pois na clínica – ao contrário do que muitos pensam – não estamos na posição de dar um conselho, dizer algo para mudar a vida alheia. Em muitos e muitos casos, como se diz, o buraco é muito mais embaixo. Podemos saber a origem de um sintoma, a sua finalidade, e todos os meandros de uma situação psíquica, mas fingir de morto (como dizia Lacan a respeito da posição de morto no bridge), ou seja, ficar quieto, é quase sempre o mais adequado. Não o total silêncio, mas o silêncio que é quebrado apenas quando satisfeitos os três critérios, da verdade, do benefício e da aceitação.
A principio é complicado pois no meu caso fui educado para só dizer a verdade independente do restante. Tive diversos problemas inclusive na minha vida profissional. Entretanto, creio eu, que na fase da minha vida atual é mas fácil aplicar os três critérios. Valeu, pena que só hoje me interesso pela psicologia. Que a minha filha adotiva seja beneficiada . Um abraço.
Muito bom, este texto! Sabedoria é fundamental em qualquer situação.
Olá Osmar,
Sim, muitas pessoas tem excelente educação e são ensinadas a falar sempre a verdade.
Porém, logo vemos como existem situações nas quais a verdade não é a melhor opção. Nestes casos, não se trata de mentir, mas sim de ficar em silêncio e esperar até o melhor momento para dizer a verdade.
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Olá Milena,
Obrigado!
Me alegra que você tenha gostado do texto!
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Esta aí a “coisa” mais difícil de se adquirir a tal sabedoria… Ser sabia no agir e no falar é complicadíssimo, e, parece que quanto mais o mundo “acelera” com essa tecnologia, mais queremos as coisas de imediato, e qnd contrariados já abrimos o bocão para reclamar, para falar, para gritar com aquele motorista que esta na faixa da esq a 60km/h… Enfim, ter sabedoria no falar não é tão fácil mas podemos sempre melhorar e aprimorar =)
Excelente texto!
Olá Felipe,
Li este artigo sobre sinceridade, mas a minha dúvida tem um alvo diferente…
Gostaria de saber se corro o risco de ficar confuso estudando mais de uma área, ou devo estudar apenas psicanálise, já que li muitas obras de Freud e adquiri bastante conhecimento sobre suas teorias…
Obg
É verdade Sarah!
É uma questão de prática, também, e de auto-observação.
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Olá Allan,
Então, é possível que possa ficar confuso no início, mas não é algo necessário, ou seja, pode ou não acontecer.
Um dos maiores profissionais que trabalhou com psicoterapia no Brasil (José Angelo Gaiarsa) teve uma ideia muito feliz. Estudar a cada ano um autor. Assim, 1 ano para Freud, 1 ano para Jung, 1 ano para Reich, e assim por diante.
Claro que um ano é pouco, porém, já dá para conhecer os principais conceitos e analisar as diferenças e, deste modo, escolher qual autor mais te agrada.
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Felipe, mais uma vez nos brinda com um tema um tanto delicado de tratarmos. Quando falamos de mentira, nos vem em mente, a verdade. Mas o que é verdade? De qual verdade falamos? A minha verdade ou a verdade do outro? Devo ser sincero sempre? Mas como ser sincero sem magoar? São pontos que merecem especial atenção e cuidado.
Realmente, Felipe, não devemos indicar caminho, mas proporcionar caminhos que ajudem o cliente a encontrar o seu. Como sabemos, o caminho se faz caminhando.
Mas tem outro ponto. Ao falarmos nos revelamos e nos damos a conhecer. Uma verdade não precisa ser verbalizada para ser “verdadeira”. Seria uma necessidade humana externa-la? Porque esta necessidade? O que nos impulsiona a dizê-la?
Parece-me, que por trás da necessidade de falar a verdade, esconde-se o desejo latente de afirmar a nossa “personalidade”. A meu ver, desnecessário. Muita luz pode cegar os olhos. O rigor da verdade, por vezes, macula a beleza perene do silenciar, pois no silêncio a verdade aparece tal como é.
Dizer ou não a verdade, parte de uma primícia: a docilidade. A doçura dá o sabor à verdade, pois quem sabe agi docilmente, sabe respeitar, sabe ser verdadeiro, sem ferir, sem machucar. Quem é sensível, consegue falar com os olhos, com um sorriso.
Quando perguntam-me algo que não me sinto confortável em responder, devolvo com uma outra resposta amável, pois ser verdadeiro é ser amáveis. Digo apenas: “Te sentes bem assim? Como estais te sentir? Estais confortável dessa maneira? O que você acho?” e quando ouço a resposta, completo: “Se tu pensas assim, esta ótimo.”
Fui verdadeiro em minhas colocações sem sentir-me mentiroso.
Vejo que a fala somente deve ser dita para ajudar. Quem é verdadeiro em suas colocações, deve sempre buscar a gentileza como forma de ajudar a pessoa a ser melhor consigo.
Foram ideias que brotaram a parti de seu texto. Espero ter contribuído de alguma forma.
Abraços,
Denner Macêdo
Olá Denner,
Definir verdade é um problema filosófico complicadíssimo, rsrs. Existe a verdade como adequação, como horizonte de perspectiva, como estrutura lógica, enfim…
Mas perfeito o seu comentário. O dizer como gentileza. Como já lhe disse, o humanismo é uma abordagem que pretendo me aprofundar logo mais! Além de muito bela ela é muito adequada para milhares de situações! =)
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Obrigado Felipe pelo conselho… Cheguei a conclusão de estudar um de cada vez ;)
Olá Allan,
Realmente é mais adequado dar um tempo entre a leitura de cada teoria.
Seria o desejável, em faculdades, porém, nem sempre é possível…
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Esse texto foi escrito pra mim! Muito bom!
Olá Marcia!
Fico muito muito feliz que tenha gostado!
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Oi Felipe,
Vou ser bem sincera: cada vez amoooo mais esse site. Gosto muito de ler seus textos, a forma como você escreve. Em breve seremos colegas de profissão, estou no 9º período de Psicologia, descobri esse site a pouco tempo, agora acompanho sempre.
Obrigada!
Raquel Oliveira
Olá Raquel!
Fico muito feliz que tenha encontrado o nosso site e que esteja gostando do conteúdo!
Será sempre um prazer contar com sua participação por aqui, Raquel!
Até logo mais!
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Estou adorando ler seus textos Felipe!
Obrigado Marta!
Será sempre um prazer contar com sua participação por aqui!
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Ola,
Gostaria de dividir com vc uma situação que estou vivendo na empresa que trabalho…..
Trabalho em uma sala com oito colegas e nosso relacionamento é bem difícil pois trabalhamos sob muita pressão e muitas vezes “explodimos” mas logo tudo passa como se na tivesse acontecido….qdo entrei para o grupo notei que era mto comum fazer comentários maldosos sobre qquer pessoa e isso sempre me incomodou muito pois qdo a pessoa estava por perto era tratada como se fosse a mais amada Isso me deixava chocada pois como podiam falar tantas maldades e fingir daquela forma? Isso começou a me afastar do grupo e me isolar….comecei a falar minhas “verdades” e com isso me isolei do grupo…hj percebo que me deixam de fora dos “comentários” percebo que muitas vezes se calam qdo me aproximo e isso me deixa constrangida…..sei que muitas vezes ao expressar minha sinceridade o fiz de forma inapropriada e inoportuna ou seja fui grosseira…..mas toda aquele humor picante aquelas brincadeiras desrespeitosa me deixaram armada……como devo agir? Me ajude…..
Olá Lourdes,
O relacionamento com um grupo é parecido com um relacionamento com uma única pessoa. Às vezes temos afinidades e às vezes não. Entretanto, como se trata de trabalho e você tem que conviver com este grupo, o melhor fazer é tentar criar um ambiente agradável e positivo (na medida do possível).
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Gostaria de saber quais as motivações que levam as pessoas a mentirem e o porquê?
Olá Augusta!
Temos diversos textos sobre a mentira aqui:
https://psicologiamsn20220322.mystagingwebsite.com/?s=mentira